17/02/2010
Dilma Pereira mora em São Paulo.
Sempre morou em São Paulo,
nunca deixou de ser
feijão
nessa
panela de pressão.
O mais longe que seus olhos alcançaram,
não passa de alguns feriados no litoral sul de São Paulo.
E nem lá
e nem cá
se deparou em situação de assaltamento…
nunca se encontrou com o
indivíduo
denominado
“dito”
ladrão.
“Morar em São Paulo
e nunca ter sido assaltada,
não é sorte, não!
É azar mesmo.”
(pensava ela)
Pois se nunca tinha sofrido tal agressão,
se angustiava pela espera ansiosa
do encontro com
o
dito
cujo
ladrão.
“Afinal é estatística,
se não foi assaltado,
será ! ”
(lembrava ela)
Carregava sua vida com esse peso.
Sentia que
essa situação
tinha que se resolver.
Porém, estava além da sua vontade.
O que poderia fazer?
Expor nos Classificados:
“Procura-se ladrão
disposto a me assal-
tar, caso de vida ou
morte”
?
Não!
Não poderia ser marcado por ela,
senão continuaria imune.
O tal ACASO
teria que fazer o seu papel,
como faz com todas as pessoas normais
que portanto,
já sofreram algum tipo de subtração
em São Paulo.
No começo
Dilma tinha muita apreensão
em relação a sua situação
diferenciada da população.
A violência escutada
pelos seus ouvidos atentos à conversa alheia,
lhe assustava pela brutalidade do encontro
com esse indivíduo da sociedade
denominado
ladrão larapio marginal gatuno rato
entre outros.
Contudo,
Com tudo realmente,
a necessidade de sobrevivência
diz mais alto no instinto da convivência…
Dilma não podia se esconder.
Precisava trabalhar para se sustentar
e também,
senão trabalhasse
o que o ladrão haveria de ganhar?
Dilma saía na sua rotina do pão a ceia…
Mas não dava brecha,
não!
Era precavida
“Se é fato o tal encontro,
como amenizar as tais perdas…”
(matutava)
Dificilmente andava com muito dinheiro;
Não que possuísse muito dinheiro em algum lugar,
mas do pouco que tinha
andava somente com o necessário.
Cartão
só o do Banco;
esses cartões ditos de “crédito” que dispensam senha,
Dilma os dispensava;
pois tinha medo de ser assaltada por si mesma,
gastando o que não tem
para possuir o que nunca teve.
Na carteira
o dinheiro da condução
uns trocados a mais.
Jóias
são preciosidades
que os olhos de Dilma nunca viu,
ou se viu
não reconheceu no pescoço de sua patroa…
Sabe como é,
o que a mente não identifica, os olhos não vêem!
E dentro da sua precaução
Dilma sentava próxima ao cobrador do ônibus,
“…nenhum ladrão investiria seu ato
se um par de olhos o observasse assim…
de perto.”
(afirmava)
Ela
usava
touca na cabeça
andava
reta e confiante
tudo para não dar brecha,
para impor um certo…
distanciamento
entre a possibilidade do ladrão
e sua pessoa.
Quando cruzava com alguém
dito
“suspeito”
pela sua consciência,
Dilma matinha os olhos fixos na sua frente,
afim de mostrar para o ladrão que
ela
sabia quem era
ele;
e mais,
que ela o esperava,
que estava pronta para o encontro.
Desta forma Dilma fazia sua própria segurança,
e sem saber se,
por ser encarado ou
por engano dela,
o fato é que o tal
“suspeito ladrão”
nunca a abordava.
Num dia chuvoso,
desses de garoa fina,
lendo um desses jornais dados no metrô de São Paulo,
ela lêu
a noticia:
“População está com medo:
Não possuindo nada de valor,
mulher foi brutalmente espancada
e largada na rua semi-nua”
.Dilma ficou impressionada.
por dias se questionou
se suas táticas de segurança
eram realmente seguras.
Não!
(reconsiderou e tomou providências)
Tratou de deixar
duas notas
de dez reais
dentro da carteira,
as notas ditas
“intocáveis”,
as notas que já não à pertenciam.
E como se não bastasse para o ladrão vinte reias,
Dilma
foi ter com sua Patroa
que teria muita vontade de ter um dólar na sua carteira,
porque desde menina ouviu dizer que
um dolar na carteira
dava sorte;
então pediu singelamente a sua Patroa
se ela tinha como lhe arrumar
uma dessas notas tão diferentes,
e é claro que isso seria descontado
do
seu
ordenado.
A Patroa achou
tudo
meio
como
de sempre,
imediatamente lhe deu o tal um dólar da sorte
e disse:
“Se é para tua sorte, não há de ser descontado.”
A Patroa
sentia-se culpada
pela atual diferença ecônomica social que,
vez ou outra,
tinha esses lapsos tão cristãos.
Sua Patroa era do tipo ausente;
Não sabia cuidar da casa
no sentido de
saber
mandar nos empregados;
de saber
dizer o que eles têm que fazer,
e como fazer
para que assim tudo fique do gosto dela.
Não,
a Patroa de Dilma não sabia fazer isso.
Assim, Dilma fazia tudo a seu gosto e opinião,
de modo que sentia que a casa da Patroa
tinha mais a sua cara
do que a cara das pessoas que ali moravam.
Com um dólar na carteira
Dilma ficou feliz,
pois sentia que havia recuperado
sua segurança,
já que mudara suas táticas de segurança pessoal.
Vinte reais e mais um dólar,
era o que Dilma julgava suficiente
para que o ladrão
não a espancasse,
afinal
na época o dólar valia quase quatro reais,
e se
o ladrão
não soubesse desse fato,
Dilma não hesitaria
em dizer-lhe esse trunfo.
Para completar sua nova tática,
Dilma
não sentava mais perto do cobrador do ônibus.
É porque houve
uma série de roubos à ônibus
(que resultara na colocação
de câmeras de segurança dentro dos veículos,
o que Dilma achava pouco para sua segurança)
então,
para não ser tomada como testemunha
por estar perto do cobrador,
resolveu que só se sentaria nos bancos do meio do ônibus,
não atrás por ser inseguro,
não à frente por ser arriscado.
No meio estaria protegida.
E assim continuou na sua rotina do pão à ceia.
Às vezes,
acordava com a certeza de que o tal dia tinha chegado
mas, não.
Ele não chegava.
Na automatização da rotina,
Dilma
chegou a esquecer
que nunca tinha sido assaltada.
Tamanho esquecimento
chegava a pegar Dilma
em conversa,
reclamando que São Paulo estava muito violenta.
Proseava sobre o assunto
como se fosse vítima
e expunha os casos que
via ou lia nos meios
(possíveis)
de comunicação,
como se ela mesma os tivesse sofrido.
Estava
Dilma
a acolher
no seu corpo
história que sua mente guardara.
Numa dessas, perguntou a mulher:
E quanto te levaram?
E Dilma
atônita
lembrou-se que os vinte reais e o um dólar
estavam lá,
intocáveis em sua carteira.
Que nunca tinham a levado nada.
E a mulher
com os olhos saltados
querendo saber
o desfecho do caso
que Dilma contava como se fosse seu.
“Não levou.”
(falou abrupta)
O ladrão ficou com pena …
de mim ser dómestica e…
não levou…
nada.
(inventou no final)
Depois dessa prosa
a questão voltou a martelar
a cuca de Dilma.
Ansiava
pelo dia em que encontraria o ladrão
a ponto de ter insônia.
Chegou até a cometer deslizes
perigosísSimos
(segundo sua consciência),
para ver se o ladrão
se tocava que ela
o esperava ansiosamente.
:
Contava o dinheiro
no meio da rua.
Andava com a bolsa
meio aberta.
Sentava ao lado
dos tipos
mais suspeitos.
E nada.
• O celular
do filho da Patroa
foi roubado.
• A Patroa
foi intimada por um flanelinha
que obteve uma caixinha maior.
• O ônibus foi assaltado
no dia da sua folga.
• A padaria foi assaltada
no dia em que Dilma
perdeu a hora do pão.
Tudo a sua volta
parecia dar voltas
contrarias à ela,
num efeito contrario de ímã.
Resolveu que seria necessário
ser mais EXPLÍCITA,
mais ousada.
Comprou um celular barato,
mas com o designer sofisticado
para aparentar um valor
mais elevado do que o real.
Marcou dia e horário…
foi na
sexta-feira
as 16h
no meio da praça da República
e
Ousou.
Ficou falando
(desfilando)
com o celular,
mexendo na carteira,
tirando as coisas de dentro da bolsa.
Fez de um tudo!
e frustrou-se.
Ela realmente não deveria ser assaltada.
Na noite desse dia,
Dilma dormiu feita borboleta no casulo.
Na manhã seguinte
fez tudo como era de costume…
Mas
o ônibus quebrou
e ela
teve de esperar o próximo,
que encheu
feito sardinha enlatada,
porque 2 ônibus estavam em 1.
Mal-humorada
chegou a casa da Patroa,
alguns minutos atrasada.
Já pensando dentro do seu mal-humor,
que se a Patroa
lhe falasse
qualquer observação
referente ao seu atraso,
ela simplesmente iria embora
porque estava farta da sua rotina.
Iria procurar outro trabalho à fazer
… sei lá …
Vender coxinha na rua.
A entrada de serviço estava fechada,
trancada com um cadeado.
Dilma
teve que dar a volta e tocar a campainha,
coisa que nunca aconteceu antes.
Depois de tocar 2 vezes,
quem veio abrir a porta
foi o motorista da casa.
Dilma achando tudo hilário
disse:
“Ué Juva,
deu pra ser porteiro agora, é?
E que cadeado
é aquele na minha porta?
Não me deram cópia da chave!”
O motorista só
falou:
“Entra logo Dilma.”
E ela nem estranhou
porque ele
não era de falar muito mesmo.
Dilma foi indo para o corredor de serviço
quando ele
chamou:
“Por aqui Dilma…”
(mostrando a porta da frente)
Nem deixou ela responder
e completou:
“não faz perguntas.”
Ao entrar na sala da casa da Patroa,
o circo estava armado!
Na escada
estava sentada toda a família da Patroa:
os dois filhos,
o marido e
a própria Patroa.
Pela sala
uns cinco homens
(pelo menos)
encapuzados, com armas na mão.
No sofá
estavam sentados
o motorista,
a cozinheira e
o jardineiro
(que só aparecia de quinze em quinze dias).
Um dos encapuzados
disse pra Dilma:
“Atraso é.
Achei que tinham te dado folga.
Mas já que cê tá aqui,
espera lá no sofá
que cê não tem nada haver
com a situação aqui.”
Sentaram Dilma no sofá .
Continuaram o assalto
que durou quarenta minutos.
Dilma
sempre quisera tirar uma soneca
naquele sofá branco.
Não deu para dormir,
mas ela constatou que o sofá
era mais bonito do que confortável!
Quando foram embora,
os assaltantes desejaram
bom dia
e
bom trabalho
para eles que estavam no sofá.
Assim,
Dilma se deparou numa situação muito dúbia:
Por um lado
acabara de participar de um assalto,
mas
por outro lado,
além de não terem roubado nada dela,
ainda tinham a tratado melhor do que estava acostumada.
O dia foi um furdunço…
polícia,
detetive,
até imprensa.
Dilma
e os outros empregados
até prestaram depoimentos.
O marido da Patroa
suspeitou da atitude dos assaltantes
para com os empregados
e
levantou a hipótese de haver envolvimento
da parte deles.
Dilma
que nunca tinha sido assaltada,
agora estava em uma delegacia.
Prestou depoimento,
assinou papéis
e
se sentiu até importante.
A polícia investigou
e
descartou a possibilidade do envolvimento de
Dilma
no crime.
Passado um mês e meio do acontecimento,
por via das dúvidas;
por ter sido bem tratada pela quadrilha;
por segurança da família;
o marido da Patroa resolveu
despedir Dilma,
assim como os outros empregados.
Dilma
estava desempregada
indiretamente por culpa de
um assalto!
Andava
pela rua
sorridente e cantarolando.
Agora,
finalmente se considerava vítima!
Como todos os outros paulistanos!
Mesmo que o assalto
tivesse ocorrido assim…
indiretamente
e
cordialmente.
Lhe roubaram o emprego;
uma espécie de ladrão sombra,
quase sem rosto.
Dilma,
sentia que fazia parte das
tão citadas estatísticas.
E tudo ocorreu no dia em que desejou,
mesmo que distraidamente,
mudar de emprego…
Estava a caminho do banco.
Iria sacar o seguro desemprego
para comprar os condimentos necessários
para fazer as
coxinhas
pão de queijo
bolo de fubá
e o tradicional cafézinho.
Dilma
agora iria vender
café da manhã na rua,
para quem madruga
nessa cidade.
Ao retirar o dinheiro
sentiu uma insegurança nunca sentida antes.
Saiu do banco.
Olhou para os lados.
Caminhou firme segurando a bolsa.
Viu
vindo na sua direção
um homem dito suspeito.
Na sua mente
a confusão se instalava;
ela já fazia parte das estatísticas,
não poderia ser assaltada novamente
em tão pouco tempo.
Fixou
o seu olhar
nos
olhos
do sujeito,
e não diminuiu um passo.
quando…
Caiu.
Dilma
torcera o pé direito
em um buraco na calçada,
e
ao cair
bateu com a cabeça
na mureta de segurança da calçada.
O sujeito suspeito
chegando próximo,
acudiu Dilma desacordada.
Vendo
a poça de sangue
se formando abaixo
da cabeça da vitíma,
colocou a mão no bolso
adjacente da bolsa de
Dilma.
Pegou
o bolo de dinheiro
e a carteira que estava junto.
Saíu sem ser percebido.
Dilma
foi enterrada
como indigente
e
não pôde ler a notícia no jornal do dia seguinte:
“População assustada:
As Estatísticas mostram
que 70% da população
já sofreu algum tipo de furto
mais de uma vez em São Paulo”